Sábado, 25 de Julho de 2009

Momentos

Não tenho muito tempo para escrever, por isso deixo-vos alguns momentos com os meus amores...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

...valem mesmo muito mais que mil palavras.

Domingo, 3 de Maio de 2009

EUROMILHÕES! EUROMILHÕES!

"Euromilhões! Euromilhões! A criar excêntricos todas as semanas!!"

 

Não foi fácil começar este post... Havia um sem numero de coisas interessantes para escrever. Tanta coisa aconteceu neste curto período de tempo: tudo começou com a Sara a constipar-se. Foi o meu baptismo de fogo nas doenças da minha filha. Na semana seguinte (a última da minha licença) apanhou uma gastroenterite e teve de ficar internada uma noite e um dia a soro. Foi mais ou menos esse o período de tempo que passei sem dormir. Passado esse período terrível para ela veio um não menos terrível para nós. Quando chegámos a casa, eu e o pai ficámos com gastroenterite. Vómitos, diarreia, febre (ora um calor insuportável ora um frio cortante). Foi assim por dois ou três dias e depois passou. Quando dei conta era o meu dias de anos... 31. Trinta e um anos mas parece que só agora comecei a viver. Tudo o resto foi uma aprendizagem... para perder em ingenuidade e credulidade dos primeiros anos e ganhar em confiança, instinto e força de vontade.

Ainda em convalescença, não cheguei a celebrar convenientemente o meu aniversário (neste aspecto serei uma eterna criança! Para mim todos os aniversários devem ser celebrados. É tão bom estar viva e na companhia de quem me quer e a quem quero bem!)

Segunda-feira. De volta ao trabalho. Para muitas mulheres uma angústia que leva meses a passar. Eu, que não sou exemplo para ninguém no que respeita a ser mãe-galinha, creio ter-me preparado bem para este dia. O pai ficou em casa com a bébé na primeira semana e ela já estava familiarizada com a creche pelo que a adaptação foi tranquila. E na verdade eu também já estava a precisar de readquirir um pouco da minha essência, mesmo não me tendo apercebido disso antes.

Fez-me bem voltar ao circulo profissional. Ter conversas que não sobre bébés, horários que não de mama, fralda ou sonos, percursos que não o da creche ou do centro de saúde. E sobretudo, vestir outra coisa que não o pijama!

 

Todos estes temas dariam posts fantásticos... mas decidi não os elaborar. Prefiro falar de algo que não está tão à superfície e que só saberão se vos contar.

 

Desde há uns meses para cá dei comigo a preencher o Euromilhões com umas "borboletas no estômago". Aquele nervoso miudinho de quem joga e pode sair vencedor a qualquer instante. Que subita ansiedade era esta? Eu, que nunca tive fé neste tipo de jogo, que sempre confiei apenas e só nos frutos do meu trabalho para viver, que nunca fui ambiciosa ao ponto de querer ter tanto dinheiro que nem saberia o que fazer com ele... eu que só jogava no euromilhões quando desafiada...

Decidi não pensar muito nisso. Deixa cá libertar esta ansiedade ridícula e brincar ao faz-de-conta com dez euros.

Com a Sara ao colo lá fui eu meter o Euromilhões. Estava a pagar quando a lojista me perguntou: "É a sua primeira filha?" Eu saquei do habitual: "Primeira e última!" Mas depois de dois ou três segundos disse: "Filha, se nos sair o Euromilhões, ainda ganhas mais um irmão!" Pus toda a gente a rir na loja, mas foi nesse instante que se fez Click na minha cabeça. Toda esta ansiedade à volta do prémio do Euromilhões estava explicada.

Com o nascimento da minha filha dei por mim a sonhar mais alto que o costume... a querer mais do que o costume... mais para mim, mais para ela, mais para os meus.

No silêncio das tardes passadas a ver a minha filha dormir sonhei muitas vezes com uma vida que me permitisse ficar em casa para cuidar dela como gostaria, que me permitisse assegurar as bases do seu futuro. Uma casa, uma boa educação, um negócio, um pé-de-meia.

Uma vida de sacrifícios ajuda-nos a saber gastar e poupar.

Mas não tem de ser necessariamente assim... Podemos dar valor sem passar por tantas necessidades.

Mesmo não ganhando o Euromilhões, de uma coisa tenho certeza... a minha filha jamais vai passar pelas mesmas necessidades que eu passei. Nunca terá de abdicar de nada que seja seu. Nunca terá de ser usada como moeda de troca, arma ou escudo diante de uma dívida por cobrar. Isso nunca!

Nos meus mais doces sonhos a nossa vida seria feita de passeios e sorrisos!

Quantas vezes não passamos o tempo a delirar com as reacções que teríamos se ganhássemos o Euromilhões? O pai diz que ia tomar banho todo nú na Rotunda ao lado de nossa casa! Já eu fazia uma mega fogueira com todas as roupas do meu guarda-fatos!!! Em ambos os casos creio que dava direito a ajuntamento de gente e um ou dois carros de polícia, por isso...fiquem atento(a)s!

Depois de darmos tudo o que queríamos dar aos nossos, faríamos umas férias a termo incerto e aproveitaríamos os nossos filhos e o nosso amor à milésima!

Até lá (isto é que é convicção!) resta-me sonhar e meter um Euromilhões todas as semanas... nunca se sabe!

 

E se nunca me sair o Euromilhões... não faz mal. O sorriso da minha filha mostra-me todos os dias que já sou uma vencedora. Ganhei o melhor prémio. Sou mãe.

 

A todas as mães: às que já o são há tantos anos que aos filhos já somam netos, às que começaram agora, as que ainda os carregam no ventre e sobretudo às que, mesmo nunca tendo tido filhos seus, o são no coração... a todas, um feliz dia da mãe!

 

 

 

 

Sábado, 10 de Janeiro de 2009

A Esquina Anti-Vicentes

 

 

O ano de 2009 começou com um episódio pouco feliz. A minha sobrinha Matilde de 2 anitos (Teteca para os amigos) bateu com a cabeça numa esquina de madeira na casa do meu irmão e teve de ir ao Hospital.

 

 

Quando me contaram nem queria acreditar! Nem posso imaginar o apuro da minha cunhada Sofia quando se apercebeu que a sua menina preciosa estava a sangrar... é um daqueles momentos da nossa vida a que eu chamo: momento do "agora ou nunca". É um daqueles momentos em que precisamos de estar acima de todos os nossos medos, todas as nossas inibições. Temos de ser fortes num momento de fraqueza, calmas num momento de pânico, preparadas num momento completamente inesperado... temos de ser super-mulheres...temos de ser Mães.
São estes momentos "agora ou nunca" que me aterrorizam. Estarei à altura quando esse momento chegar? porque a questão não é SE chega...é quando. As crianças serão sempre crianças e por mais protectores que sejamos nunca vamos poder evitar um ou outro momento de aflição... a Sofia soube lidar com a situação, como boa mãe que é, e apesar do susto e do corte na cabeça, hoje a Matilde continua a mesma menina travessa, agitada e feliz que sempre foi (com uma cicatriz adicional na testa para mais tarde recordar).
 
E de quem foi a culpa por esta cicatriz? Eu digo que foi da esquina onde ela bateu! A esquina anti-Vicentes!
Porquê anti-Vicentes? Porque aquela esquina traiçoeira já deixou marcas num outro membro da família há precisamente 28 anos atrás... e ainda tenho a cicatriz no nariz para me recordar desse episódio insolito.
Não foi bem aquela esquina, naquela casa. Mas foi a sua "prima" na casa onde vivi 20 anos. As casas no nosso bairro são todas muito parecidas e aquela esquina existe em todas elas.
Eu explico o sucedido. Mas para isso tenho de recuar no tempo mais uma vez. Cá vai:
 
Foi em 1980. Não sei em que mês nem dia. Eu tinha 2 anos e o meu irmão 4. Estávamos sozinhos em casa.
Porquê? Não sei. Depois de crescer e entender que foi uma situação evitável, nunca perguntei aos meus pais o que raio pensaram naquele dia em que decidiram ir comprar papel de parede e nos deixaram aos dois entregues à nossa sorte.
Terá sido por imaturidade? Inexperiencia? excesso de confiança no destino? Por acharem que um tecto sobre as nossas cabeças e uma porta fechada seriam suficientes para que nenhum mal nos acontecesse? Não sei... talvez tenha sido um misto destes factores, talvez tenha sido por outra coisa qualquer... Isso agora já não interessa. Já passou. Hoje tenho 30 anos e o meu irmão 33 acabadinhos de fazer. Pelos vistos o destino foi benevolente e deixou que cá estivessemos hoje com todos os dedos das mãos e dos pés (com mais ou menos cicatrizes) para contar as nossas histórias.
Mas deixem que ilustre bem as nossas idades nessa altura. Com dois anos eu era uma menina tranquila. Sentavam-me em qualquer canto da casa e eu ali ficava a brincar com as bonecas ou a ver os desenhos nos livros das histórias do avozinho.
Já os 4 anos do meu irmão... como defini-los? Estão a ver a semente de Satanás? Foi-me apresentada à nascença. Chamava-se João Paulo (que ironia, como o papa) e o seu objectivo na vida era testar todos os limites: os seus, os meus, os do Planeta...
Ora com os pais fora, apresentou-se a oportunidade ideal para o João (aka pequeno Satanás) testar mais um ou dois limites.
Limite 1 - "O que estará dentro desta gaveta da cozinha?"
Limite 2 - "Onde posso usar esta faca tão grande que mede quase tanto como o braço da minha irmã?"
Limite 3 - "AHA! Vou espeta-la nesta esquina de madeira com tanta força como nos filmes!! Sou um mauzããããããããoooooooo!"
Limite 4 - "Enaaaaaaaaaaaa! Depois de cinco ou seis facadas na madeira finalmente espetei a faca com tanta força que nem a consigo tirar!! WOWW!!! Alguém tem de ver isto! Contado ninguém acredita!! Ó MA-RI-TAAAAAAAAAAA!!!! ANDA CÁ DEPRESSAAAA!!!"
 
Marita é como o meu irmão me chama desde sempre. Esse era para ser o meu nome, mas não deixaram registar. Dividiu-se. Fiquei Mara Rita. Mas para o meu irmão, que me chamava Marita desde o tempo em que eu era ainda um feijãozinho na barriga da minha mãe, o meu nome ficou sempre este.
De qualquer forma, por muitos anos não o usou. Substituiu-o por "estupida". Para ele, esse era de facto o meu nome do meio, por assim dizer. Eu era uma chata pequenina que queria andar atrás dele para todo o lado e que roubava o carinho do pai e da mãe. O carinho que foi só dele durante muito tempo.
Hoje voltei a ser Marita. Às vezes já sou só Mara... deve ser porque sente que já somos crescidos e acha o nome meio infantil. Eu cá adoro ser Marita. A Marita do pai, da mãe e do irmão ainda em 1980. Quando a ingenuidade não permitia discussões, desilusões, intrigas e invejas. Quando os sorrisos nas fotografias eram genuinamente felizes.
 
E eu lá fui, tranquila. Quando vi o que ele estava a fazer pensei logo que alguma coisa ia correr mal. Ele ia ser apanhado. Como é que ia esconder da mãe aquelas talhadas na madeira?? Peguei num banquinho e sentei-me ao lado dele. Não queria ter nada que ver com aquela aventura, mas também não queria arreliar o pequeno Satanás (principalmente quando este tinha uma faca de talhante na mão!!)
"VEM CÁ VER!! ESPETEI A FACA TÃO FUNDO QUE NÃO SAI!!! FOGUUUUUU!!!" Dizia ele com os olhos a brilhar, como se tivesse encontrado a cura para o cancro.
"ESPREITA LÁ AQUI DE BAIXO!!! É QUE NÃO SAI MESMO!!!"
E eu espreitei. Mas no preciso momento em que pus o nariz onde não era chamada e espreitei perto, bem perto do sítio onde a faca estava espetada, a madeira cedeu e numa fracção de segundos eu e o meu irmão estavamos metidos no maior sarilho das nossas curtas vidas!
A faca voou em direcção ao meu nariz e de repente havia sangue por todo o lado, o meu irmão gritava e chorava que nem um louco e eu andava pela cozinha com as mãos em conchinha a aparar o sangue que escorria pelo nariz e fazia aparecer pintinhas vermelhas no chão.
O meu irmão estava completamente fora de si. Sempre a chorar que nem um desalmado procurava qualquer coisa para me colocar na cara e parar o sangue. A única coisa que lhe ocorreu foi dar-me um pano que encontrou numa das gavetas da cozinha. Um pano do chão que a minha mãe tinha comprado há pouco tempo e ainda estava a estrear. Um daqueles panos cinzentos e fofinhos a que chamavamos "pano do chão"  porque servia quase em exclusivo para lavar isso mesmo, o chão. Ainda se vendem, mas já são poucas as pessoas que se ajoelham a limpar com eles.
Depois de perceber que o sangue não parava nem mesmo com o pano, decidi deixar o meu irmão a carpir as mágoas na varanda e fui bater à porta da minha vizinha do lado.
 
Num bairro social, o espírito de comunidade é mais forte do que em qualquer outro lado. Quando se tem um amigo é para a vida toda. E um vizinho é não só um amigo, mas um membro da familia.
Pelo menos era assim no prédio onde eu vivia. Quantas vezes fui bater à porta do lado para a Dª Gracinda ver se o leite que eu tinha no frigorifico estava estragado antes de o beber... quantas vezes fui pedir açucar, ovos, manteiga... e quantas vezes fui bater à porta da Dª Fátima porque tinha medo de ficar sozinha em casa e sabia que podia ficar na sua companhia a tarde inteira, a ver o vizinho Manel a arranjar sapatos (era e é o sapateiro do bairro) e a conversar mais com ele numa hora que ele com os filhos uma vida inteira.
 
Haviam de ver a cara da Dª Filipa (a nora da vizinha do lado) quando me viu toda ensanguentada com um pano do chão na cara, a olhar para ela! Ficou estarrecida, coitada! Levou-me para a casa de banho e lavou-me muito bem a cara, mas quando viu que o sangue não parava foi a correr tocar à casa da Dª Fátima e lá se organizaram para que uma ficasse com o meu irmão e a outra fosse comigo aos Bombeiros.
Foi a primeira vez que me lembro de andar de autocarro. É incrivel, mas recordo-me perfeitamente da viagem. Fui sentar-me num dos bancos de trás com a Dª Fátima, que fazia os impossiveis por me fazer esquecer a ferida aberta que tinha no nariz. Fui parar aos Bombeiros de Queluz (que ainda são no mesmo sitio) e depois de me dizerem trinta mil vezes que eu era uma menina muito forte, vim de lá com um mega penso no nariz e uma história para contar 28 anos depois.
Contam as minhas vizinhas entre gargalhadas (anos depois já se conseguem rir de todo aquele episódio) que o meu irmão ficou inconsolável a chorar a um canto da varanda da minha casa e a repetir: "Se ela morrer, eu vou no mesmo caixããããããooo!!!"
Tadito... agora vendo bem até tenho pena dele :-)
Quando os meus pais chegaram a casa ficaram para morrer com tudo o que se havia passado (pudera...)
O castigo do João Paulo - era assim que a minha mãe nos chamava quando nos portavamos mal, pelos dois primeiros nomes -  foi ficar sem o caderno do Pluto que tinham comprado para ele (TOMAAAAAAAAAAAAA!!!!).
Já eu fiquei com dois cadernos e uma cicatriz...ena!
Bem, não é toda a gente que,como eu, quando questionada sobre a sua cicatriz evidente no nariz responde serenamente: "foi o meu irmão que me deu uma facada".
100% chavala do guetto, he he he.
 
Como veem, não é de animo leve que chamo à tal esquina, a esquina "Anti-Vicentes".
O meu irmão também deve achar o mesmo... ou não tivesse ele desatado a chorar assim que soube do que se tinha passado com a pequena Teteca.
 
2-0 para a esquina, irmão.
 
Ainda assim, enquanto forem as esquinas a fazer as mossas, enquanto as feridas puderem sarar com algodão, tintura de iodo, um sopro e um beijinho, a vida ainda nos sorri.
Tenho mais medo das pessoas do que das esquinas. Porque as pessoas sabem magoar com muito mais precisão e força. E as suas feridas sangram muito mais profundamente. E muitas delas ficam para a vida toda.
Quero poder estar lá sempre que for preciso soprar qualquer ferida da minha filha... seja no joelho ou no coração.
 
 
bjs
 
Sábado, 27 de Dezembro de 2008

AI, O NATAL, O NATAL...

Sempre que sinto o Natal aproximar-se fico nostalgica... o Natal lembra-me muito a minha querida Avó Rosa. A Avó Rosa vivia o Natal como uma criança. E quando eu e o meu irmão eramos mais novos, o Natal era uma festa vivida com a mesma intensidade pelos três. Todos os anos, vários dias antes do Natal, a minha Avó ligava para nós muito animada e entre dentes perguntava que prendas a minha mãe tinha comprado para ela.

Chegava ao cúmulo de trocar segredos! Nós ficavamos a saber o que o avô tinha comprado para nós (ou até mesmo o que a minha mãe nos tinha comprado, se preciso fosse...a minha avó fazia de tudo para antecipar a alegria de receber prendas!) e nós contavamos o que a minha mãe tinha escolhido para ela.

Claro que quando chegava o dia de abrir os presentes era um galhofa pegada porque fazíamos grandes cenas de teatro com gritos de surpresa e contentamento quando já estávamos carecas de saber o que lá vinha.

Eu adorava passar o Natal na minha Avó. Todos os anos cortava um pinheirinho pequenino do pinhal perto de casa e colocava-lhe enfeites suficientes para cobrir a árvore do Rockefeller Center. Ficava tão enfeitada, tão enfeitada que não se via nem uma única agulha verde do pinheiro!

Nunca faltavam os bonecos de chocolate pendurados na árvore. A minha Avó bem insistia connosco para que só os comessemos no dia de Natal, mas a gula subrepunha-se ao cumprimento das regras e tornavamo-nos verdadeiros escultores de papel de aluminio quando tentavamos voltar a moldar os bonecos depois de já termos comido o chocolate. Não houve um ano que se tivesse queixado da falta dos bonecos (e não houve um ano em que não se apercebesse das nossas "fintas").

O Natal era verdadeiramente a festa da família. O meu tio Zé tradicionalmente trazia o Bolo-Rei, os frutos secos (figos, passas, nozes, amendoas...) e o espumante. As mulheres da casa batiam quilos de massa doce num alguidar para mais tarde a fritarem e esta se transformar e fofinhas filhós, que cobriamos de açucar e canela e comiamos até não caber mais nada na barriga.

Ao jantar não podia faltar o tradicional bacalhau cozido com as batatas, o ovo e a couve. Não se concebia sequer a ideia de fazer outra comida nesse dia (por mais que eu e o meu irmão suplicassemos por bife comm batatas fritas cortadas às rodelas como só a  minha avó fazia para nós).

As horas passadas desde o final do jantar até à meia-noite eram de pura tortura... de 10 em 10 minutos iamos a correr perguntar: "já tá na hora? já tá na hora?"

Nunca ficámos à espera para ver o Pai Natal. A minha avó dizia sempre de uma forma carinhosa: "então, o que pediram ao menino Jesus este ano?" Achava mais agradável a ideia de nos ver rezar ao Menino Jesus do fundo do coração do que a uma personagem inexistente.

Mal sabia ela que a minha mãe desde sempre nos fez perceber que os presentes vinham da carteira dos pais e não do coração dos filhos...

Para matar o tempo ficavamos sentados no pequeno sofá da sua minuscula sala a ver televisão. Uma televisão a preto e branco, com uma tela verde para "dar uma imagem mais bonita", como dizia o meu tio Mariano (que todos os anos começava o dia animado e o acabava a discutir com o meu avô por causa dos resultados de futebol). Pobre tio Mariano, que soube ser Sportinguista ferrenho em casa de Benfiquistas loucos numa altura em que as taças eram todas nossas. Não era preciso muito para o colocar com o ego no chão, nessa altura. E o meu tio Mariano (fazendo juz à tradição anual) afogava as mágoas futebolisticas em vinho do Porto enquanto o meu avô o acompanhava entusiasticamente, regalado da vida por ser Natal, por ter a familia à sua volta...mas sobretudo porque o Benfica tinha tudo para voltar a ser campeão!

Viamos o Natal dos Hospitais de fio a pavio (a minha avó adorava), aninhadas no sofá, cobertas com várias camadas de cobertores e acompanhadas com chá de limão e pão-de-ló.

Ainda hoje tento beber chá e comer pão-de-ló neste dia. Por um breve momento fecho os olhos e consigo ver a minha avó a sorrir para mim enquanto coloca as várias colheres de açucar de que tanto gostava no seu chá (e que tanto mal lhe fizeram, ao fim e ao cabo). Mas tem de ser só por um momento, um breve momento. Senão as saudades apertam demais e acabo por chorar.

E lá estávamos nós a ver o Dino Meira, o duo ele e ela, as Doce, o Carlos Paião, ou sei lá eu quem mais... até que chegava a hora! Sentávamo-nos todos juntos e era um frenesim de fitas e papel de embrulho naquela sala que no final da noite já não se distinguiam as prendas do lixo. Não faltavam as meias, as camisolas interiores e os pijaminhas quentinhos... porque o dinheiro não abundava e todos precisavamos de mais do que jogos, bolas ou brinquedos. Mas isso também não faltava. De uma maneira ou de outra o meu irmão ganhava sempre a sua bola de "catchumbe" e eu a minha boneca (mais uma para ir viver nas torres de livros que construia encostadas a uma parede do meu quarto e nas quais ninguém discutia nem gritava). Ali a rotina do "olá querido! - chuack - bom dia! queres comer? - nham, nham - vais trabalhar? Até logo! - vrum, vrum - olá! Que saudades! Já estás de volta! vamos jantar - nham, nham - Tenho sono meu amor. Vamos dormir. Até amanhã!" - chuack - era o conceito de vida perfeita que eu tinha. E que as minhas queridas bonecas viviam todos os dias.

Após a troca de prendas, todos nós recolhiamos o nosso montinho de felicidade e iamos contentes e exaustos para a caminha.

A minha querida avó deitava-nos num colchão que parecia ser forrado a palha. Era frio. frio, mas fofinho como o abraço que nos dava quando nos ia aconchegar. Sobre as 4 mantas que já tinhamos em cima colocava ainda outra. Não podia dormir com a ideia que os netos estariam a passar frio.Ficávamos tão soterrados em mantas que mal nos mexiamos! E colocava sempre duas cadeiras encostadas à nossa cama para não cairmos durante a noite (fez isto durante anos, mesmo depois de crescidos).

Às vezes cantava-me umas cantigas para me embalar. Lembro-me de a ouvir cantar "guitarra toca baixinho" umas 60 vezes seguidas (era o necessário até eu adormecer...)

 

 

 

 

 

Nos primeiros dias em que tive a Sara comigo em casa, cantei-lhe essa musica e ela dormiu tranquila. Chorei enquanto cantava. Com saudades da minha avó, mas sobretudo com pena por não a ter presente para ver as bisnetas crescerem e para as mimar como merecem.

A noite já ia longa. Eu e o meu irmão ficávamos horas a rir no escuro com os sons do ressonar do meu avô e a crescente impaciencia da minha avó que de vez em quando sussurrava: "ó Jaquim, vira-te!".Finalmente chegava o sono, mas não sem antes passar em revista pelo pensamento as prendas lindas que tinha recebido e pensar: "Mal posso esperar para estrear a minha roupa nova amanhã!"

E de repente parecia que toda a felicidade do mundo se tinha concentrado naquele pequeno sotão de madeira, quase uma casinha de bonecas, onde vivia a minha Avó.

 

Há uns anos que nos deixou. E com ela foi-se quase toda a magia do meu Natal.

Deixei de acreditar em Deus. No menino Jesus e na Virgem Maria. Também não acredito na Nossa Senhora de Fátima que a minha avó adorava.

Nenhum a ajudou a ficar por cá. Nenhum lhe deu a mão para, pelo menos, partir sem sofrimento.

Com ela partiu toda a minha fé. Mas ficaram as boas lembranças.

Não está cá para mimar a minha filha, mas estará sempre no nosso coração. E um dia mais tarde vou apresentar a Sara à memória desta grande Senhora que foi Rosa Luisa Correia... a minha avó.

 

Eu herdei o espírito natalício da minha avó... sem dúvida!

Ainda não entrou Dezembro e já eu estou a montar a árvore de Natal e a fazer a lista de presentes que vou comprar a meio mundo.

Faço sempre questão de assinalar o Natal no meu calendário com honras de Estado!

Só que este ano o nosso Natal foi tudo menos planeado. Com a Sara tão pequenina, não houve tempo nem vontade para, sequer, montar a árvore de Natal na sala...e a lista de prendas foi feita 24h antes do dia 24.

As prendas foram compradas em cima do joelho e nem uns postaizinhos consegui escrever. Tsss, tsss...

Fomos comprar as prendas todas num só dia e, claro está, fiquei de rastos. A meio do dia já tinha as costas feitas num oito e uma mama toda gretada! Quando cheguei a casa, exausta e doente, medi a febre e tinha 38,6 graus. "Menos!" foi o que o meu corpo me gritou o dia todo. Devia ter-lhe dado ouvidos!

Andámos às voltas a emoldurar fotografias da minha filha para oferecer à família e a embrulhar todas as prendas que comprámos. Que estafa!!

Quando saímos de casa para jantarmos com os restantes Figueiredo eram já 22h30. Jantámos à 1h da manhã (a familia é grande e havia muito que fazer) e só abrimos as prendas lá para as 2h...

Os Figueiredo são gente animada e por isso o Natal não pode deixar de ter alegria e diversão. Acabamos a noite com as bochechas a doer de tanto rir (como em qualquer reunião familiar) e felizes com as reacções genuinamente boas às prendas que se foram trocando.

Escrevem-se postais sentidos e trocam-se beijos e abraços entre quem se ama verdadeiramente e quer partilhar felicidade. São prendas desinteressadas. Especiais por isso mesmo.

Fico com pena de não ter a minha familia comigo. Em especial a minha cunhada Sofia, que vive o Natal como eu. E que sente a falta da mãe, que já não tem, e que por isso mesmo precisa de mais carinho e amor nesta altura do ano.

No dia 25 fui almoçar com os Vicente. O "meu" lado da familia. Comentámos que há muito tempo que não passava a véspera de Natal longe deles e tentámos fazer um "Natal, lado B" naquele dia.

Trocámos prendas simbólicas entre todos. Comemos e bebemos e conversámos a tarde inteira.

É bom regressar ao bairro onde cresci e revisitar lugares e caras familiares nesta altura do ano. Mas é sobretudo bom poder estar na companhia do meu irmão e da sua filha (linda, linda) e conversar com ele tranquilamente, sem invejas nem ressentimentos.

Tenho a certeza que a minha avó estaria orgulhosa de nós.

Os seus netos são felizes. Temos ao nosso lado alguém que amamos intensamente. Temos filhos saudáveis e felizes que nos plantam um sorriso parvo na cara só por olharem para nós.

Não há prenda nenhuma no Mundo capaz de nos dar este sentimento.

 

 

 

 

Foi um Natal nada planeado. Mas conseguiu, ainda assim, ser um Natal em família (e sem discussões nem tristeza).

 E isso é que interessa.

 

Feliz Natal... que o Reveillon vai ser outra aventura! :-)

 

Bj

 

 

Quarta-feira, 26 de Novembro de 2008

Minha filha, meu tesouro

 

 

Nasceu no dia 13 de Novembro de 2008 às 23h30.

Foi precisamente às 23h30 que a minha vida começou. E foi também nesse preciso momento que me senti a pessoa mais feliz do mundo.

 

Mas vamos recuar no tempo... este é um episódio da minha vida que merece ser contado exaustivamente!

Na semana do parto fui ao Hospital ter com o meu obstetra para que medisse novamente a bébé e as contracções que já tinha (apesar de não as sentir).

Nessa altura disse-me que ela já estava muito gordinha e que como eu sou uma rapariguita pequena :-) mais valia antecipar o parto e não deixar passar muito mais tempo.

Pela conversa que tive com o médico fico com a sensação que vou fazer cesariana. Diz-me que ela é gordinha demais para mim... que vamos ver, mas que não vale a pena fazer-me sofrer muito... enfim. Fiquei mentalizada para a cesariana.

Estava então decidido... já não iamos esperar pelas 40 semanas. Adeus dia 18, olá dia 13!

 

Quinta-feira era a data limite! Quinta-feira ia conhecer a minha filha! Ver a sua carinha, segurar na sua mão, olhar para ela e abraça-la... por mais estranho que isto possa parecer não fiquei nem um pouco nervosa. Não tive medo do momento desconhecido do parto (se calhar por isso mesmo...por ser desconhecido)... não tive medo das dores, nem do esforço, nem de nada. Permaneci surpreendentemente calma.

E isso não faz parte da minha natureza... eu sou (como já o fiz saber em posts anteriores) a rainha do pessimismo. Se alguma coisa puder correr mal, então vai correr mal comigo!

Mas estes foram pensamentos que afastei por completo neste momento da minha vida... se alguma coisa corresse mal, cá estaria para aguentar e superar. Nada me ia fazer perder o primeiro momento da vida da minha filha.

Quarta-feira à noite eu e o Tozé ficámos a conversar sobre a nossa vontade desmedida de a ver, de lhe tocar, de a beijar e mimar... e que já faltava tão pouco... tão pouco...

 

Num abrir e fechar de olhos era Quinta-feira. 7h da manhã... levanto-me e tomo um banho. sem stress. Não me rebentaram as águas, não me doi nada... e ainda a sinto dentro de mim: um pezinho aqui, outro ali.... de vez em quando um pontapé. Eu sorrio. Penso que daqui a nada o meu corpo voltará a ser só meu. E que vou poder saber que está bem apenas por olhar para ela.

Acordo o Tozé. Arranjamo-nos e lá vamos nós para a maternidade.

Já disse que foi no Amadora-Sintra? Não me perguntem se é um hospital bom ou mau... nunca tive bébé em mais lado nenhum :-)

O que me importa saber é que, independentemente de alguma enfermeira mais antipática, de uma ou outra auxiliar algo despreocupada... a minha filha nasceu saudável e linda e eu (à parte do esforço normal que advém de uma gravidez e de um parto e que marcam visivelmente o nosso corpo) também estou bem.

 

Mas retomando a história: 9h e finalmente sou admitida após o meu medico olhar novamente para os exames, ecografias, CTG's...

Primeira fase: limpeza! Todas as nossas roupas vão para dentro de um saquinho de plástico e dão-nos uma bata, um robe, uns chinelos, uma esponja e dois clisteres. É literalmente uma limpeza geral, por dentro e por fora :-)

(já ouço alguém dizer...too much information, verdade? Mas é mesmo assim... nem todos os momentos são cor de rosa neste dia!

Vestida com as roupas mega hiper gigantes do hospital vou ter com o Tozé à sala de espera e entrego-lhe as roupas.

O meu irmão já lá estava... com um ar assustado e apreensivo. Eu bem lancei umas piadas para o ar, mas nem assim lhe arranquei um sorriso. Acho que só o vi assim no dia em que nasceu a minha sobrinha. Naquela mesma maternidade, curiosamente.

Não me explicaram muito do que se passaria depois de vestir as roupas do hospital... e eu estava no meu melhor comportamento: não perguntava muito, não chateava, não me queixava... era a parturiente perfeita :-)

Assim que os deixei na sala de espera fui levada para uma sala de dilatação. Ligaram-me ao CTG e deixaram-me lá deitada de lado... nessa altura comecei a pensar que se calhar teria sido bom ter tido algumas aulas de preparação para o parto...pelo menos saberia o que raio estava a fazer numa sala de dilatação quando não me tinham rebentado as águas e nem sequer tinha dores... mas pronto. mandaram ficar aqui...eu fico!

De tempos a tempos alguém entrava no quarto e perguntava como me estava a sentir: "Tem dores? Não???? é uma mulher de sorte!! Está aqui com umas contracções lindas!!"

Eu sinceramente não entendia como era possivel estar a a ter "umas contracções lindas" se não sentia rigorosamente nada...

A dada altura até adormeci ligada ao CTG... ia espreitando aqueles risquinhos que a máquina ia imprimindo e reparava que cada vez que se formava uma onda indicadora de uma contracção, havia um numero no monitor que aumentava e ia até aos 100, ás vezes 104...e depois descia devagar... até ao nivel 4 ou 5. Curioso, pensei... dá para saber quando vamos ter uma contracção. Gosto disto... Não percebo é porque motivo isto não me doi... não deveria estar a doer?

 

Ao inicio da tarde (não faço ideia quando ao certo) o meu obstetra entrou no quarto e fez o toque para ver se a dilatação tinha aumentado.

Nestas alturas, apesar de não o verbalizar, na minha cabeça chamava-lhe uns quantos nomes menos simpáticos... o Toque não se devia chamar assim... devia ser "a agressão" ou "a maldade"... qualquer coisa mais chegada à realidade dos factos!!!!

Apesar de perceber que o obstetra começava a perder a paciencia com o meu corpo, porque as águas não rebentavam, mesmo com as contracções aproximadas e a posição ideal da bébé, tentei ficar o mais calma possivel. Isso não era dificil de conseguir pois não me doía nada e finalmente deixaram o Tozé vir fazer-me companhia.

O médico saiu e eu respirei de alívio. Mais uns momentos de sofrimento que passaram. Até agora não me doi nada. Estou tranquila (pelo menos até à próxima visita do obstetra).

 

Passa mais algum tempo. O Tozé sai para beber água. Do outro lado do corredor alguém está a ter bébé. Ouço 4 gritos horriveis. Cada um descreve na perfeição o sofrimento desta mulher. Não há palavras que consigam traduzir aqueles gritos. Foi a primeira vez que me senti assustada. Tive a noção de que poderia não estar preparada para uma dor daquelas. E isso fez bater o meu coração mais depressa pela primeira vez.

 

Mais tarde conheci aquela mãe por acaso.Estava no refeitório à minha frente e comentou a sua experiencia. Pela hora do parto percebi que tinha testemunhado em parte a sua experiencia. Teve o seu bébé de parto normal com recurso a ventosa. E apesar dos gritos que nunca vou esquecer, uns dias depois ali estava, tranquila... e tinha a expressão mais orgulhosa que já vi.

 

Mas voltando ao meu dia... mal sabia eu que a aventura ainda agora estava prestes a começar!

Ao fim de umas quantas horas em trabalho de parto mas sem dor nem dilatação, o médico entrou no quarto novamente. desta vez trazia com ele um enfermeiro. Um tipo baixinho, barrigudo e com um bigode preto. A fazer lembrar o Super Mario - O dos videojogos, não o Jardel! Mas eu chamo-lhe carinhosamente de TALHANTE, (pela extrema falta de sensibilidade que demonstrou enquanto esteve no quarto).

Mais um toque. Mais um momento de dor e extremo desconforto. O obstetra tinha chegado ao limite da sua paciência comigo... Depois do toque disse mais uma vez que não estava a dilatar o suficiente e que tinha muito liquido, que estava mesmo, mesmo prestes a rebentar. Na verdade ele devia ter coisas mais interessantes que fazer do que ficar à espera que me rebentassem as águas naturalmente, pelo que agarrou num instrumento cirurgico parecido a uma tesoura comprida e zás (sendo que o zás se traduz por um minuto de dor aguda seguido de um jorro de água quente a sair de dentro de mim).

 Enquanto o obstetra me esquartejava e eu agonizava, o Talhante comentava: "Então, que exagero! É preciso isso tudo? esteja lá quieta. Que coisa! parece que a estamos a matar!"

Ora dá ou não dá vontade de gritar por alguém que sodomize o senhor sem dó nem piedade??? Mas abstive-me de o fazer (a custo).

A sensação de nos rebentarem as águas é semelhante à que sentimos quando fazíamos xi-xi na cama. Primeiro sabe bem, é quentinho e alvia... mas depois percebemos que não estamos na casa de banho e que aquilo nos está a molhar e começa a tornar-se desagradável.

isto ainda seria o de menos... não fosse ter sentido a minha primeira contracção dolorosa imediatamente a seguir a isto ter acontecido.

O obstetra saiu todo contente. Ele e o sr Talhante. Tinha aberto as portas do Inferno,mas saía do meu quarto com sentido de dever cumprido. "Ainda vou para casa a tempo de ver o CSI" deve ter pensado!

Confesso que assim que saíram do quarto chorei. Uma única vez, para libertar a frustração de não ter respondido aos comentários de quem não sabe nem nunca saberá o que é passar por toda a experiencia da gravidez e parto.

E enquanto chorava pedi mais uma vez para que um tarado... não, um bando de tarados fizesse deste senhor a sua namorada. Ou ex-namorada. Daquelas que os traem com o melhor amigo e que depois só queremos é maltratar :-)

E com este pensamento se foram as lágrimas.

E... mais uma contracção. Wow... esta doeu bastante!

espreito o monitor. Foi até aos 100... e agora baixa gradualmente. E como por magia também a dor se vai.

O Tozé voltou a entrar no quarto. Lá lhe contei em segundos o que me tinha acontecido e preparei-o. Já estava com dores.

Ele foi o meu herói. Aguentou comigo todo o sofrimento que passei. Deu-me a mão quando precisei, tranquilizou-me e apoiou-me o melhor que pode. Esteve lá para mim.

A dada altura, quando as dores eram mais que muitas e eu já nem sabia como havia de respirar, se havia de gritar, gemer ou desmaiar, ele diz-me: "Se os homens pudessem ter filhos, o mundo já tinha acabado!"

deu-me vontade de rir, mas não o fiz porque estava no auge do meu delirio de dor.

Passado um bocado ele diz: "Ah, meu amor, se eu pudesse trocar contigo, trocava. Custa-me tanto ficar aqui a ver-te sofrer."

Nem pensar... não trocaria com ele nunca na vida. Depois de saber que dores eram aquelas, jamais as daria a sentir a alguém que amo.

Agoooooora, já com o senhor Talhante... ahhhhhhhhhhh com esse trocava NA HORA!

E ficava ali a aplaudir de cada vez que o monitor acusasse uma contracção.

É mau ter estes pensamentos? AZAR! É mau mas libertador!

 

Do período das contracções dolorosas lembro-me de puxar os cabelos, de me morder, de tentar respirar de 30 maneiras diferentes (cada enfermeira que entrava no quarto me dava um método diferente... cada um mais ineficaz que o outro. Não sei quem se lembrou de dizer que a respiração correcta alivia as dores do parto AH AH AH AH AH AH... piada do ano!)

Ao fim de umas horas eu já não aguentava mais e pedi que me dessem uma epidural. O médico calmamente disse: "não pode ser. Ainda nem 4 dedos de dilatação tem..."

Mais uma dica que desconhecia... pensei que fosse só dizer: "Doi muito!" e lá vinha a epidural. Mas não. Aparentemente o corpo também tinha de ajudar.

Ainda bem que eram umas 21h e desde as 9 da manhã que só tinha aumentado 1 dedo de dilatação... por este andar enlouqueço antes das 22h e levo a epidural lá para as 6h da manhã.

Foi aí que comecei nitidamente a perder as estribeiras. Já não conseguia respirar, ponto final. As contracções vinham umas em cima das outras e quase não tinha tempo nem ânimo para me preparar para as seguintes.

Foi então que o meu marido querido se virou para mim e disse: "meu amor, se queres gritar, grita! Não te importes com ninguém! GRITA se te alivia!

E eu assim fiz. De cada vez que tinha uma contracção mostrava o quanto me doía. Se era preciso o hospital inteiro saber o quanto eu estava a sofrer, então SEJA!

Até uns quantos palavrões me saíram nesta altura. O Tozé olhava para mim e arregalava os olhos, parvo comigo e com o meu descontrolo.

O que é certo é que pouco depois (embora a mim me tenha parecido uma eternidade) lá apareceu o obstetra com uma colega para avaliarem o meu estado de novo.

Cada um fez o seu toque (ena). Mas a esta altura já me era indiferente. As contracções doem mais, muito mais que 300 toques.

 

Acho que continuava com 3 dedos de dilatação, mas o obstetra finalmente teve pena de mim e autorizou a epidural.

5 minutos depois entrava a anestesista com um enfermeiro espanhol para me aliviarem o sofrimento.

Confesso que nem vi a cara da senhora... estava completamente absorvida no meu sofrimento e só ouvia a voz dela a dizer para ficar muito quieta e que ia sentir uma picada nas costas.

Experimentem ficar quietos quando estiverem com uma dor dilacerante no corpo... não é fácil! Mas como o objectivo é ficar sem dores, toca a sossegar!

E pronto. Epidural dada! A anestesista saiu do quarto e o espanhol lá ficou a explicar que era uma epidural ligeira mas que ia aliviar muito as dores.

E nuestro hermano não mentiu! Pouco depois já as contracções eram fracas e perfeitamente suportáveis. Como uma cólica normal.

Quando viu que eu estava melhor, o espanhol olhou para mim a sorrir e perguntou, com o seu sotaque característico de terras de sua majestade: "Entonces, já estás melhor?"

Eu disse-lhe que sim. Ele voltou a sorrir e disse: "Ah, assim já pensas em ter 5 flhos outra vez, verdad?"

Ora aí está! Uma boa tirada que me pôs a rir! A RIR! Ainda há uns minutos era algo que pensei nunca mais ser capaz de fazer na vida!

Descontraí um pouco, mas ao mesmo tempo o meu corpo pareceu perder o controle. Comecei a tremer por todo o lado. Não tinha frio, nem tinha medo. mas não conseguia parar de tremer.

 

Agora eram já quase 23h quando o obstetra finalmente entrou no meu quarto e disse: "bom, não vale a pena... nem 4 dedos de dilatação tem. Vamos para cesariana".

Naquele momento pensei: TANTAS HORAS EM SOFRIMENTO PARA ISTO??? NÃO PODIAS TER-ME POUPADO A ESTAS HORAS TODAS DE AGONIA, SEU CRETINO!???"

(o cretino acrescentei eu agora... as coisas que lhe chamei na altura não posso escreve-las aqui!)

 

Rolaram a minha cama para a sala de cirurgia e mudaram-me para a mesa de operações.

Parecia que estava num episódio do House!

A marquesa era estreita e tinha uma extensão de ambos os lados para colocar os braços.

Parecia Jesus Cristo na cruz... braços esticados e presos (estariam com medo que eu fugisse?).

Assim que entrei na sala reparei que havia musica.

Estava a dar uma musica da Dido: Thank you.

Lembro-me porque tomei consciencia da música no momento em que ela cantava: "...Cause I want to thank you for giving me the best day of my life..."

BEST DAY OF MY LIFE? Ok, é oficial. se Deus existe, está mesmo a gozar comigo!!! Até agora tem sido THE WORST DAY EVERRRRRRR

 

Duas enfermeiras muito simpáticas (onde andaram elas este tempo todo???) ajudaram a preparar-me para a cirurgia.

Enquanto o meu corpo estava no auge dos tremores e as contracções pareciam piorar gradualmente, iam colocando panos azuis aqui e ali, de modo a que não pudesse ver o que se iria passar a seguir.

A anestesista explicou-me que ia administrar mais epidural para que não sentisse nada durante a cesariana. E que seria normal não sentir as pernas.

Só que o tempo passava e eu continuava a sentir as pernas... e a mexe-las! Perguntei á anestesista se era normal ainda conseguir elevar as pernas e ela (depois de fazer um ar de surpresa) lá me deu mais um pouco de anestesia.

Fico a pensar no que sentiria se não tivesse feito aquela pergunta...livra!

Mesmo depois desta segunda dose de anestesia, as minhas pernas não ficaram totalmente dormentes... mas de facto não sentia nada na zona da cesariana e isso era o mais importante.

A cesariana foi muito rápida e apesar de não conseguir ver nada do que me estavam a fazer, conseguia perceber que me remexiam toda por dentro e por fora, que me apertavam e espremiam para fazer nascer a minha filha.

Eu só pensava: quando me passar a anestesia vou sentir estes amassos todos...ai vou vou!

 

E de repente, depois de uns momentos de silêncio ouvi o choro dela. E não consegui deixar de chorar quando ma colocaram no peito e ela ficou sossegadinha aninhada a mim.

A partir daquele momento a minha vida mudou. O centro do meu Universo passou a ser a minha filha. O objectivo fundamental da minha vida já não é só ser feliz, mas fazê-la feliz a ela. Protegê-la, mimá-la e guia-la pela vida.

 

Minha filha, meu tesouro. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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