Sábado, 27 de Dezembro de 2008

AI, O NATAL, O NATAL...

Sempre que sinto o Natal aproximar-se fico nostalgica... o Natal lembra-me muito a minha querida Avó Rosa. A Avó Rosa vivia o Natal como uma criança. E quando eu e o meu irmão eramos mais novos, o Natal era uma festa vivida com a mesma intensidade pelos três. Todos os anos, vários dias antes do Natal, a minha Avó ligava para nós muito animada e entre dentes perguntava que prendas a minha mãe tinha comprado para ela.

Chegava ao cúmulo de trocar segredos! Nós ficavamos a saber o que o avô tinha comprado para nós (ou até mesmo o que a minha mãe nos tinha comprado, se preciso fosse...a minha avó fazia de tudo para antecipar a alegria de receber prendas!) e nós contavamos o que a minha mãe tinha escolhido para ela.

Claro que quando chegava o dia de abrir os presentes era um galhofa pegada porque fazíamos grandes cenas de teatro com gritos de surpresa e contentamento quando já estávamos carecas de saber o que lá vinha.

Eu adorava passar o Natal na minha Avó. Todos os anos cortava um pinheirinho pequenino do pinhal perto de casa e colocava-lhe enfeites suficientes para cobrir a árvore do Rockefeller Center. Ficava tão enfeitada, tão enfeitada que não se via nem uma única agulha verde do pinheiro!

Nunca faltavam os bonecos de chocolate pendurados na árvore. A minha Avó bem insistia connosco para que só os comessemos no dia de Natal, mas a gula subrepunha-se ao cumprimento das regras e tornavamo-nos verdadeiros escultores de papel de aluminio quando tentavamos voltar a moldar os bonecos depois de já termos comido o chocolate. Não houve um ano que se tivesse queixado da falta dos bonecos (e não houve um ano em que não se apercebesse das nossas "fintas").

O Natal era verdadeiramente a festa da família. O meu tio Zé tradicionalmente trazia o Bolo-Rei, os frutos secos (figos, passas, nozes, amendoas...) e o espumante. As mulheres da casa batiam quilos de massa doce num alguidar para mais tarde a fritarem e esta se transformar e fofinhas filhós, que cobriamos de açucar e canela e comiamos até não caber mais nada na barriga.

Ao jantar não podia faltar o tradicional bacalhau cozido com as batatas, o ovo e a couve. Não se concebia sequer a ideia de fazer outra comida nesse dia (por mais que eu e o meu irmão suplicassemos por bife comm batatas fritas cortadas às rodelas como só a  minha avó fazia para nós).

As horas passadas desde o final do jantar até à meia-noite eram de pura tortura... de 10 em 10 minutos iamos a correr perguntar: "já tá na hora? já tá na hora?"

Nunca ficámos à espera para ver o Pai Natal. A minha avó dizia sempre de uma forma carinhosa: "então, o que pediram ao menino Jesus este ano?" Achava mais agradável a ideia de nos ver rezar ao Menino Jesus do fundo do coração do que a uma personagem inexistente.

Mal sabia ela que a minha mãe desde sempre nos fez perceber que os presentes vinham da carteira dos pais e não do coração dos filhos...

Para matar o tempo ficavamos sentados no pequeno sofá da sua minuscula sala a ver televisão. Uma televisão a preto e branco, com uma tela verde para "dar uma imagem mais bonita", como dizia o meu tio Mariano (que todos os anos começava o dia animado e o acabava a discutir com o meu avô por causa dos resultados de futebol). Pobre tio Mariano, que soube ser Sportinguista ferrenho em casa de Benfiquistas loucos numa altura em que as taças eram todas nossas. Não era preciso muito para o colocar com o ego no chão, nessa altura. E o meu tio Mariano (fazendo juz à tradição anual) afogava as mágoas futebolisticas em vinho do Porto enquanto o meu avô o acompanhava entusiasticamente, regalado da vida por ser Natal, por ter a familia à sua volta...mas sobretudo porque o Benfica tinha tudo para voltar a ser campeão!

Viamos o Natal dos Hospitais de fio a pavio (a minha avó adorava), aninhadas no sofá, cobertas com várias camadas de cobertores e acompanhadas com chá de limão e pão-de-ló.

Ainda hoje tento beber chá e comer pão-de-ló neste dia. Por um breve momento fecho os olhos e consigo ver a minha avó a sorrir para mim enquanto coloca as várias colheres de açucar de que tanto gostava no seu chá (e que tanto mal lhe fizeram, ao fim e ao cabo). Mas tem de ser só por um momento, um breve momento. Senão as saudades apertam demais e acabo por chorar.

E lá estávamos nós a ver o Dino Meira, o duo ele e ela, as Doce, o Carlos Paião, ou sei lá eu quem mais... até que chegava a hora! Sentávamo-nos todos juntos e era um frenesim de fitas e papel de embrulho naquela sala que no final da noite já não se distinguiam as prendas do lixo. Não faltavam as meias, as camisolas interiores e os pijaminhas quentinhos... porque o dinheiro não abundava e todos precisavamos de mais do que jogos, bolas ou brinquedos. Mas isso também não faltava. De uma maneira ou de outra o meu irmão ganhava sempre a sua bola de "catchumbe" e eu a minha boneca (mais uma para ir viver nas torres de livros que construia encostadas a uma parede do meu quarto e nas quais ninguém discutia nem gritava). Ali a rotina do "olá querido! - chuack - bom dia! queres comer? - nham, nham - vais trabalhar? Até logo! - vrum, vrum - olá! Que saudades! Já estás de volta! vamos jantar - nham, nham - Tenho sono meu amor. Vamos dormir. Até amanhã!" - chuack - era o conceito de vida perfeita que eu tinha. E que as minhas queridas bonecas viviam todos os dias.

Após a troca de prendas, todos nós recolhiamos o nosso montinho de felicidade e iamos contentes e exaustos para a caminha.

A minha querida avó deitava-nos num colchão que parecia ser forrado a palha. Era frio. frio, mas fofinho como o abraço que nos dava quando nos ia aconchegar. Sobre as 4 mantas que já tinhamos em cima colocava ainda outra. Não podia dormir com a ideia que os netos estariam a passar frio.Ficávamos tão soterrados em mantas que mal nos mexiamos! E colocava sempre duas cadeiras encostadas à nossa cama para não cairmos durante a noite (fez isto durante anos, mesmo depois de crescidos).

Às vezes cantava-me umas cantigas para me embalar. Lembro-me de a ouvir cantar "guitarra toca baixinho" umas 60 vezes seguidas (era o necessário até eu adormecer...)

 

 

 

 

 

Nos primeiros dias em que tive a Sara comigo em casa, cantei-lhe essa musica e ela dormiu tranquila. Chorei enquanto cantava. Com saudades da minha avó, mas sobretudo com pena por não a ter presente para ver as bisnetas crescerem e para as mimar como merecem.

A noite já ia longa. Eu e o meu irmão ficávamos horas a rir no escuro com os sons do ressonar do meu avô e a crescente impaciencia da minha avó que de vez em quando sussurrava: "ó Jaquim, vira-te!".Finalmente chegava o sono, mas não sem antes passar em revista pelo pensamento as prendas lindas que tinha recebido e pensar: "Mal posso esperar para estrear a minha roupa nova amanhã!"

E de repente parecia que toda a felicidade do mundo se tinha concentrado naquele pequeno sotão de madeira, quase uma casinha de bonecas, onde vivia a minha Avó.

 

Há uns anos que nos deixou. E com ela foi-se quase toda a magia do meu Natal.

Deixei de acreditar em Deus. No menino Jesus e na Virgem Maria. Também não acredito na Nossa Senhora de Fátima que a minha avó adorava.

Nenhum a ajudou a ficar por cá. Nenhum lhe deu a mão para, pelo menos, partir sem sofrimento.

Com ela partiu toda a minha fé. Mas ficaram as boas lembranças.

Não está cá para mimar a minha filha, mas estará sempre no nosso coração. E um dia mais tarde vou apresentar a Sara à memória desta grande Senhora que foi Rosa Luisa Correia... a minha avó.

 

Eu herdei o espírito natalício da minha avó... sem dúvida!

Ainda não entrou Dezembro e já eu estou a montar a árvore de Natal e a fazer a lista de presentes que vou comprar a meio mundo.

Faço sempre questão de assinalar o Natal no meu calendário com honras de Estado!

Só que este ano o nosso Natal foi tudo menos planeado. Com a Sara tão pequenina, não houve tempo nem vontade para, sequer, montar a árvore de Natal na sala...e a lista de prendas foi feita 24h antes do dia 24.

As prendas foram compradas em cima do joelho e nem uns postaizinhos consegui escrever. Tsss, tsss...

Fomos comprar as prendas todas num só dia e, claro está, fiquei de rastos. A meio do dia já tinha as costas feitas num oito e uma mama toda gretada! Quando cheguei a casa, exausta e doente, medi a febre e tinha 38,6 graus. "Menos!" foi o que o meu corpo me gritou o dia todo. Devia ter-lhe dado ouvidos!

Andámos às voltas a emoldurar fotografias da minha filha para oferecer à família e a embrulhar todas as prendas que comprámos. Que estafa!!

Quando saímos de casa para jantarmos com os restantes Figueiredo eram já 22h30. Jantámos à 1h da manhã (a familia é grande e havia muito que fazer) e só abrimos as prendas lá para as 2h...

Os Figueiredo são gente animada e por isso o Natal não pode deixar de ter alegria e diversão. Acabamos a noite com as bochechas a doer de tanto rir (como em qualquer reunião familiar) e felizes com as reacções genuinamente boas às prendas que se foram trocando.

Escrevem-se postais sentidos e trocam-se beijos e abraços entre quem se ama verdadeiramente e quer partilhar felicidade. São prendas desinteressadas. Especiais por isso mesmo.

Fico com pena de não ter a minha familia comigo. Em especial a minha cunhada Sofia, que vive o Natal como eu. E que sente a falta da mãe, que já não tem, e que por isso mesmo precisa de mais carinho e amor nesta altura do ano.

No dia 25 fui almoçar com os Vicente. O "meu" lado da familia. Comentámos que há muito tempo que não passava a véspera de Natal longe deles e tentámos fazer um "Natal, lado B" naquele dia.

Trocámos prendas simbólicas entre todos. Comemos e bebemos e conversámos a tarde inteira.

É bom regressar ao bairro onde cresci e revisitar lugares e caras familiares nesta altura do ano. Mas é sobretudo bom poder estar na companhia do meu irmão e da sua filha (linda, linda) e conversar com ele tranquilamente, sem invejas nem ressentimentos.

Tenho a certeza que a minha avó estaria orgulhosa de nós.

Os seus netos são felizes. Temos ao nosso lado alguém que amamos intensamente. Temos filhos saudáveis e felizes que nos plantam um sorriso parvo na cara só por olharem para nós.

Não há prenda nenhuma no Mundo capaz de nos dar este sentimento.

 

 

 

 

Foi um Natal nada planeado. Mas conseguiu, ainda assim, ser um Natal em família (e sem discussões nem tristeza).

 E isso é que interessa.

 

Feliz Natal... que o Reveillon vai ser outra aventura! :-)

 

Bj

 

 

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